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Foto do escritorL. Antilibertários

Hoppe falha miseravelmente em refutar Steven Pinker

Atualizado: 29 de jun. de 2020

Steven Pinker é um renomado psicólogo que ficou conhecido por lançar um livro chamado “Os anjos bons da nossa natureza”, em que ele quebra o mito que o mundo está ficando mais violento, mito esse muito difundido pelas pessoas em geral. Contra intuitivamente, vivemos hoje na era mais pacífica que a humanidade já conheceu. Isso é extremamente interessante, no mínimo mostra que apesar dos vários problemas que temos, no geral estamos no caminho certo e tivemos esse grande avanço. Tal revelação ,no entanto, não é recebida com o mesmo entusiasmo por muitas pessoas, especialmente grupos que dependem de narrativas apocalípticas para se manterem, como moralistas religiosos, conservadores e também o grupo que eu mais me disponho a atacar: os anarcocapitalistas.


Na verdade se tem um grupo que é destruído pelo livro de Pinker são os ancaps. É possível destruir a narrativa deles de várias maneiras só com o livro de Pinker. Seja nas críticas que o estado atrapalha o mercado, seja contra o moralismo de Kogos, seja nas críticas a democracia, seja na argumentação ética sobre resolução de conflitos e lei do Porto, enfim em vários pontos o discurso ancap é destruído por esse fato. E claro que sabendo disso e dado as proporções de venda enormes que o livro alcançou fica meio difícil para os ancaps continuarem ignorando ele. Assim não é de se espantar que o guru anarcocapitalista, Hans Hoppe, tenha feito um texto tentando refuta-lo. Antes de ler a crítica de Hoppe minha expectativa era de um texto fraco, cheio de espantalhos e que no final não consegue refutar Pinker, e nesse ponto Hoppe não decepcionou. Vamos ver os argumentos dele e refuta-los:


Hoppe inicia abordando algo que não faz nenhum sentido. Ele alega que em nenhum momento Pinker fez distinção entre violência defensiva e ofensiva em sua análise. Só que isso não faz a menor sentido porque para existir violência defensiva deve existir ofensiva antes. Ou seja se queremos saber se uma época é mais violenta do que outra pouco importa se a violência majoritária é defensiva ou ofensiva. E mesmo que ignorássemos que a análise é apenas técnica e fossemos fazer um juízo de valor aos moldes da ética libertária também não faz a menor diferença. Se uma sociedade tem muita violência defensiva significa que tem muita violência ofensiva prévia, o que significa que nessa sociedade não há muito respeito da propriedade privada a ponto das pessoas precisarem defende-las violentamente quase o tempo todo. Ou seja essa sociedade é moralmente inferior a alguma que respeite.


Depois ele faz uma análise moral sobre os argumentos de Pinker e só revela o velho “mimimi” ancap de demonizar o estado, comparando-o com um campo de concentração com guardas vigiando para que os presos não se matem. Nada a declarar a não ser lembrar que tal análise só seria meramente discutível se fosse comprovado que a lei deve ser propriedade privada absoluta e que essa é a única válida, o que passa longe de ser verdade quando a analisamos. E mesmo que fosse válido isso em nada refuta Pinker. Se o argumento é que a violência diminuiu e isso é comprovado com dados, pouco importa o juízo de valor que se faz sobre, essa é outra discussão. Na verdade uma crítica que se pode fazer a Hoppe é justamente que senso ético é esse que leva a concluir que uma época em que a taxa de violência é 40 pra cada 100 mil é melhor do que uma época em que é 1 pra cada 100 mil (na Europa). Só acho que esse conceito ético deveria ser revisto.


Hoppe continua com a argumentação baseada em moralismo libertário e sobre isso eu tenho uma severa crítica, pois ele acusa Steven de não seguir a própria lógica a risca mas quem faz isso é justamente ele. Pinker mostra que o número de guerras vem diminuindo e que a violência interna da sociedades também. Aliando isso ao fato que na Idade Média havia impostos e leis arbitrárias de reis, como perseguir hereges e queimar bruxas, a conclusão correta é que mesmo que as democracias atuais não sejam exatamente o que os ancaps desejam ainda sim elas seriam melhores que a Idade Média. De fato há maior respeito da propriedade privada nas democracias que na Idade Média, tanto entre as pessoas quanto por parte do estado, que apesar de cobrar mais impostos não sai matando pessoas arbitrariamente por motivos aleatórios como ser bruxa ou judeu. Mas por algum motivo Hoppe tem uma grande necessidade de enaltecer a Idade Média e demonizar a democracia, mesmo que isso comprometa toda sua coerência interna, que é o que acontece agora.


Passado o “mimimi” baseado em ética libertária que não serve pra nada, Hoppe diz que a resposta da queda da violência é ambígua porque apesar de concordar que as taxas de violência interna diminuíram, as guerras aumentaram e no geral elas matam mais que a violência interna. Isso é mentira, Pinker mostrou que contra intuitivamente os homicídios internos podem superar numericamente as mortes relacionadas a guerras, mas explicou antes o que chamou de lei de potência. Ele mostra que as guerras seguem essa lei, ou seja que eventos muito maiores que a média são mais raros, como por exemplo a ocorrência de cidades com mais de 10 milhões de habitantes e homens com mais de 2 metros de altura. As guerras que realmente vão matar mais que qualquer violência interna são as grandes guerras, e essas são muito raras. A grande maioria das guerras ocorrem dentro de uma média que permite que os homicídios internos de países violentos superem as guerras em número de mortos. Por exemplo o próprio Brasil, que como todo mundo sabe é extremamente violento e matou mais pessoas que países em guerra como a Síria. Na Síria, em 4 anos, morreram 256 mil pessoas assassinadas, no Brasil foram quase 279 mil no mesmo período. Ou seja, Pinker tem razão.


O que nos leva ao próximo ponto que é quando Hoppe cita Taleb, e esse segundo argumenta que as guerras principalmente as de grande escala são eventos raros e irregulares. Não entendi como isso seria um argumento contra Pinker, uma vez que esse argumenta justamente isso como vimos anteriormente. No entanto o que realmente interessa no argumento de Taleb é a suposta análise que ele faz que mostra que não houve mudanças na tendência das guerras e se é que houve alguma tendência foi um ligeiro aumento. Basicamente o que Taleb faz é criticar a metodologia de Pinker e propor outra de modo que só inclua guerras que matem acima de 3 mil pessoas. Desse modo, em um período que vai desde a Revolta de Boadicéia de 60 d.C até o conflito contra o Estado Islâmico atualmente, ele contabilizou apenas 565 guerras enquanto que os dados que Pinker usou, entre 1820 e 1952, conseguiram compilar 315 conflitos, ou seja uma cobertura proporcionalmente muito maior e bem mais criteriosa. Taleb argumenta que conflitos menores não são tão importantes para entrar na conta, já que vítimas menores não afetam a média. Mas isso foi respondido pelo próprio Pinker quando ele fala do horizonte militar, onde teríamos abaixo dele as incursões, escaramuças, batalhas de gangues, rixas, etc e acima dele as grandes operações militares que não passam despercebidos por ninguém. Se a maioria dos conflitos ocorrerem abaixo do horizonte militar, como eram as guerras na idade Média, e usamos metodologia que conta apenas os que ocorreram acima , que parece ser a metodologia de Taleb, os tempos antigos parecerão menos violentos do que realmente foram. Ou seja ao que tudo indica os dados de Taleb parecem estar sub notificados.


Não acho que seja necessário aprofundar nos argumentos de Taleb por duas razões: a primeira é que os argumentos de Taleb já foram respondidos pelo próprio Pinker. Segundo é que mesmo que o argumento de Taleb estivesse correto no máximo provaria que ao longo dos tempos uma das formas de violência não diminuiu, mas outras também mostradas por Pinker como crimes pessoais violentos, práticas bárbaras, escravidão, tortura, linchamentos, estupros, abuso contra esposas, surras, crimes de ódio e crueldade com animais vem todos diminuindo. Ou seja ainda sim a violência estaria diminuindo mesmo que as guerra não estivessem.


Para continuar tentando confrontar os dados de Pinker, Hoppe cita ainda John Gray e diz o seguinte:


“Também, como John Gray argumentou contra Pinker, mesmo essa avaliação dos “tempos modernos” tende muito a dourar a pílula, pois tende a subestimar sistematicamente o número de fatalidades de não combatentes nas guerras, i.e. o número de civis que morrem de diversas doenças alastradas através das guerras ou de efeitos colaterais de longo prazo das guerras como as “mortes lentas” causadas por privações econômicas e fome. (O mesmo perigo de subestimação não existe, ao menos não na mesma medida, para as guerras da Idade Média europeia, porque elas foram caracteristicamente de escala pequena, eventos territorialmente limitados e envolvendo uma distinção e separação comparativamente claras entre combatentes e não combatentes.)”


Procurei e achei um artigo de John Gray e de fato ele fala exatamente isso, além de outros argumentos que são igualmente falaciosos e demonstram grande viés cognitivo em sua abordagem. Por exemplo, John Gray argumenta que boa parte da redução das guerras foi devido a presença de bombas atômicas, algo já refutado por Pinker. John Gray sabe que Pinker refutou isso e tenta argumentar contra o exemplo de Pinker sobre o gás laranja, mas não explica por exemplo porque vários países que não tinham armamento nuclear peitaram países que tinham, como a Argentina peitando a Inglaterra, chechenos desafiaram a URSS, Egito desafiou a Inglaterra e França e o Vietnã desafiou a China. Se de fato a presença de bombas nucleares fosse um fator intimidador esses países deveriam temer as potências nucleares e evitar uma guerra com eles a todo custo, o que não ocorreu. O conflito pelas Malvinas por exemplo, foi totalmente desnecessário e traria ganhos mínimos para a Argentina que não justificaria correr o risco de uma guerra com uma das grandes potências nucleares mundias. Além do mais, Gray não explica porque tantos países abandonaram seus programas nucleares como as ex-republicas soviéticas, India, Africa do Sul e até o Brasil. O interesse de um país no quesito segurança é dissuadir ao máximo outros países para evitar uma guerra, se de fato as bombas nucelares ajudassem nisso é de se esperar que eles mantivessem os programas.


John Gray não responde a tudo isso mas Pinker responde. Segundo ele os efeitos de uma bomba nuclear são catastróficos em níveis tão elevados que dificilmente países vão encontrar motivos para usa-las sem estarem sendo desproporcionais e voltarem a opinião pública e das nações unidas contra eles. Por isso a maioria dos países sabem que quase nunca poderão usar as bombas atômicas, na prática elas serão inúteis e por isso não servem de efeito dissuasor.


Voltando ao argumento que Gray usou, não sei como ele chegou a tal conclusão. No intuitivo e no que se vê na prática parece justamente o contrário. Para os conflitos atuais temos relativamente muito bem documentado os mortos diretos e indiretos dos mais variados conflitos além de mortes por outras causas que não são guerras. A questão é, até que ponto algo pode ser considerado uma morte indireta de uma guerra e até que ponto não pode? Por exemplo, sabemos das mortes pela gripe espanhola, 40 milhões, e das mortes da primeira guerra mundial , 15 milhões. Sabendo que o fato dos soldados ficarem em trincheiras ajudou a propagar o vírus. Mas antes disso o vírus já existia e o que houve foi apenas uma mutação mais letal que não tem nada a ver com a guerra, apenas ocorreu ao mesmo tempo. É correto atribuir as mortes da gripe espanhola como mortos indiretos da primeira guerra? Na verdade Pinker abordou isso de forma tão clara que vou deixar o trecho que ele fala porque se apegar muito a mortes indiretas não é muito bom:


“Por que os levantamentos excluem as mortes indiretas? Não é para expurgar esse tipo de sofrimento dos livros de história, mas porque as mortes diretas são as únicas que podem ser contabilizadas com segurança. Elas também se adequam a nossa intuição básica sobre o que significa para um ator ser responsável por um dado efeito, concretamente que o ator prevê o efeito, pretende produzi-lo e provoca-o pela via de uma cadeia de acontecimentos que não tem um grande número de conexões intervenientes incontroláveis. O problema de se estimar as mortes indiretas é que isso requer um exercício filosófico de simular na imaginação um mundo suposto onde a guerra não ocorresse e estimar o número de mortes ocorrida nesse mundo, para então usá-lo como base de referência. E isso reclama algo que se aproxima da onisciência. Teria determinada fome do pós-guerra acontecido mesmo que a guerra não estourasse, devido à inépcia do governo derrubado? E, caso ocorresse uma seca no ano em questão, as mortes de fome seriam atribuídas a ela ou à guerra? Caso o índice de mortes pela fome estivesse caindo nos anos pré-guerra, deveríamos assumir que continuariam recuando ainda mais caso a guerra não ocorresse, ou seria melhor congelá-lo no ponto do último ano antes da guerra? Se Saddam Hussein não tivesse sido deposto, teria ele matado mais inimigos políticos que o número de pessoas que pereceram na violência intercomunal após sua derrota? Deveríamos agregar os 40 milhões a 50 milhões de mortos na pandemia da gripe espanhola de 1918 aos 15 milhões de mortos na Primeira Guerra Mundial, já que o vírus da gripe espanhola não teria adquirido tanta virulência se o conflito não tivesse concentrado tantas tropas nas trincheiras? Estimar as mortes indiretas requer que se responda a esse tipo de indagação de modo consequente e em centenas de conflitos, o que é um negócio impossível. Guerras, em geral, tendem a ser destrutivas em muitos sentidos ao mesmo tempo, e as que matam mais gente nos campos de batalha em geral conduzem a mais mortes por fome, doença e colapso dos serviços.”


Além do mais se formos honestos em nossas análises o argumento de Gray se volta contra ele. Se não é possível ter real dimensão das mortes indiretas em uma época com sistema de registro de mortes em batalha e epidemiologia mais avançado quem dirá o ter em uma época que não existia nada disso.


O argumento de que pelo fato das guerras na Idade Média serem mais territorialmente centralizadas e pequenas não há tal risco de subestimação de mortes indiretas simplesmente não cola. Veremos mais a frente que Pinker prova que as guerras na Idade Média eram bem mais frequentes que atualmente, ou seja supondo que perdemos pouco sobre as mortes indiretas em uma batalha, no somatório de pouco em pouco que se perde em várias batalhas podemos falar sim em uma grande subestimação das mortes indiretas em guerras. Além disso o que Hoppe e Gray querem dizer com territorialmente limitados? A guerra entre os Hussitas (Região da Boêmia, Alemanha) contra forças da Igreja Católica (Roma, Itália) , Cerco de Paris (França) pelos Vikings (escandinavos) e o Massacre dos Algebienses pode ser considerado um evento local? Se contarmos ele como um evento local por ambos estarem na Europa então é só aplicarmos a mesma lógica a outras guerras atuais na Europa e outros continentes e podemos dizer que as guerras hoje em dia também são em sua maioria territorialmente limitadas. Se não podemos, então boa parte dos conflitos na Idade Média não eram limitados e o argumento de Hoppe/Gray vai pelo ralo.


Além do mais, mesmo considerando isso ainda temos vários conflitos na Idade Média que indiscutivelmente não foram eventos locais, como as Cruzadas. No total 9, que envolveram forças de vários lugares, como Oriente Médio, norte da África, Inglaterra, Alemanha e Itália. As conquistas mongóis na Europa oriental sem dúvidas não foram um evento local também. Já pensou quanta gente pode ter morrido indiretamente nesses conflitos que nem sequer foram registradas? Sabemos hoje que a varíola foi trazida a Europa durante as Cruzadas, devemos contabilizar todas mortes por varíola na história como mortes indiretas das Cruzadas? O contrário também pode ter ocorrido. Europeus podem ter contaminado e ser responsáveis indiretos pela morte de vários por sarampo e mutações violentas de gripes. Devemos contar os milhões de índios mortos por doenças como mortes dos conflitos entre europeus e indígenas? Se fizermos isso a conquista das Américas será um dos eventos mais genocidas da história, com 30 milhões de mortos. Sabendo que vários índios morreram de varíola, devemos atribuir a morte deles as cruzadas já que os europeus adquiriram varíola deles? 

Mesmo ignorando os casos de doenças, ainda sim muitas mortes podem ter ocorrido indiretamente graças a conflitos no passado e não tem como sabermos. Exemplo: É sabido que durante as Cruzadas haviam massacres aleatórios de Judeus em várias partes da Europa, como os de Worms, Mainz, Colônia, Treves, Ratisbona e Bamberg que só ocorreram devido a mobilização para as Cruzadas. Quantos desses podem ter ocorrido sem que ninguém ficou sabendo? A verdade é que se eu tivesse que apostar qual das estatísticas está mais correta diria que são as estatísticas atuais, e se tivesse que chutar onde é mais provável haver subestimação das mortes indiretas diria que são as estatísticas antigas.


Com tais autores devidamente refutados, prosseguimos. No próximo ponto Hoppe diz que a mudança na conduta e redução da violência da sociedade apontadas por Pinker, foi graças ao mercado e não graças ao estado. A mesma desculpinha que ancaps costumam usar quando são confrontados com os avanços sociais que o estado trouxe, eles alegam que é apesar e não por causa do estado (sem nenhuma prova, claro). O problema é que tal tentativa é falha porque a relação é causal e não meramente correlacional. O próprio Pinker demonstra isso muito bem em seu livro ao mostrar que o estado reduziu a violência o que permitiu a ascensão do mercado e só então esse pode proporcionar todos seus benefícios. Só com a ascensão do mercado que pode se falar em divisão do trabalho, aumento da produtividade e troca de valorização de serviços braçais por intelectuais. Um trecho que melhor representa isso é esse trecho do Pinker:


“Os dois gatilhos do Processo Civilizador — o Leviatã e o comércio gentil — são relacionados. A cooperação de soma positiva do comércio prospera melhor dentro de uma grande tenda presidida pelo Leviatã. Não só um Estado é mais bem aparelhado para fornecer os bens públicos que servem de infraestrutura para a cooperação econômica, como dinheiro e estradas, mas também pode fazer pender a balança na qual os jogadores pesam as relativas compensações de saquear e comerciar. Suponha que um cavaleiro possa saquear dez alqueires de grãos de seu vizinho ou, gastando a mesma quantidade de tempo e energia, obter o dinheiro para comprar do vizinho cinco alqueires. A opção do roubo parece interessante. Mas se o cavaleiro previr que o Estado o multará em seis alqueires pela pilhagem, ficará com apenas quatro, por isso o trabalho honesto será mais vantajoso. Os incentivos do Leviatã tornam os incentivos do comércio mais atrativos, e além disso o comércio facilita o trabalho do Leviatã. Se a alternativa honesta de comprar os grãos não estivesse disponível, o Estado precisaria ameaçar arrancar dez alqueires do cavaleiro para dissuadi-lo de saquear — o que é mais difícil de implementar do que tirar dele cinco alqueires. Obviamente, na realidade, as sanções do Estado podem consistir em ameaça de punição física em vez de multa, mas o princípio é o mesmo: é mais fácil dissuadir as pessoas do crime se a alternativa legal for mais atrativa. Assim, as duas forças civilizadoras reforçam-se mutuamente, e Elias considerou-as parte de um processo único. A centralização do controle do Estado e a monopolização estatal da violência, o crescimento das guildas e burocracias, a substituição do escambo pelo dinheiro, o desenvolvimento tecnológico, a intensificação do comércio, as crescentes redes de dependência entre indivíduos distantes, tudo isso encaixou-se em um todo orgânico. E, para prosperar nesse todo, era preciso cultivar as faculdades da empatia e do autocontrole até que se tornassem, como disse Elias, segunda natureza.”


Uma vez clara a participação fundamental do estado na redução da violência e como isso foi importante para a ascensão do mercado, ainda vale destacar que Pinker mostrou que democracias liberais tem tendência muito menor a entrar em guerra e propiciam a ascensão do mercado melhor do que qualquer outro regime. Ou seja a relação é causal e mais uma vez Hoppe demonstra não saber e/ou ignorar algo básico que a maioria dos autores sérios sabem: a necessidade do estado para a ascensão do mercado e evolução social. Ver Hoppe tentar negar isso é como ver um terraplanista brigando com o consenso acadêmico, tentando buscar qualquer que seja um argumento que corrobore sua crença destoante do consenso científico.


Posteriormente, Hoppe também faz a velha crítica a teoria do Leviatã, que ele poderia também ser um agressor em potencial. A crítica é até válida, mas como Pinker e vários outros autores mostraram, historicamente na prática ter ele é melhor do que não ter. A violência é menor em sociedades com estado do que sem, entre os vários motivos que são argumentados em favor disso o próprio Pinker apresenta no livro a explicação do ponto de vista da psicologia, com os gatilhos que levam a violência e os que levam a não violência, explicados na armadilha hobbesiana. Então, goste Hoppe ou não a realidade é essa.


Mais adiante, Hoppe demonstra sua ignorância econômica, alegando que pensando na lei de oferta e demanda e com o estado sendo um monopolista, esse não teria razões para fornecer bons serviços. Já foi explicado em outros posts porque alguns serviços de fato devem ser fornecidos pelo estado e que ele gera externalidades positivas que o mercado por si só não geraria. Poderia citar educação, infraestrutura, pesquisa científica e a principal delas sem dúvidas é a justiça. A justiça privada prevista pelos libertários apenas aponta o que é errado, que é ferir a propriedade privada, sem maiores explicações disso, o que gera intensos debates entre libertários. Temas como aborto e cercamento são pontos de grande discordância entre os ancaps e mostra as limitações que a justiça privada gera e porque ela gera conflitos. Alie isso a ela não dizer como a lei será aplicada e abrir brecha para vários tribunais fazerem a lei que quiser e veja o caos realmente acontecer. Caso não tenha ficado claro porque isso geraria o caos é só pensar no caso de um conflito qualquer. A parte agredida tem o estímulo de procurar o tribunal que punirá o agressor com mais rigor possível e o agressor um tribunal que o punirá com menos rigor possível. Como os dois podem escolher o tribunal que quiser, em caso de impasse o conflito simplesmente não pode ser resolvido pela lei. Isso já foi explicado em outros posts com mais detalhes, mas o fato é que as leis de mercado não se aplicam bem a todos setores e em alguns casos elas se aplicarem não significa que isso será bom e é justamente o problema, como na pesquisa científica.


Na verdade essa parte é realmente bizarra. Basicamente Hoppe vê os dados de Pinker, percebe que não pode refuta-los e parte simplesmente para tentar reinterpreta-los de forma que se adeque a sua narrativa. Ao menos ele usa algum dado para isso? Não, ele simplesmente acha que o estado é sempre a pior opção para tudo e por isso se teve algum avanço social não pode ter sido por causa do estado. Isso tem tanto problemas que é difícil enumerar todos. Primeiro que esse modus operandi é basicamente o mesmo de pessoas que são confrontados com evidências que contrariam suas crenças, não tem argumentos para refuta-los mas quer mante-las, exatamente o oposto do método científico. É como um terraplanista ou criacionista, eles tem a conclusão que querem defender e procuram a realidade elementos que a corrobore e negam os que refutam. Outro problema é que ele não pode dizer isso e ter lido o livro do Pinker ao mesmo tempo visto que Pinker mostrou que a relação é causal e não meramente correlacional como já mostrado anteriormente.


No próximo ponto, Hoppe como bom libertário não poderia perder a oportunidade de exercer seu racismo. Ele diz que a diferença na violência entre as sociedades usadas por Pinker poderia na verdade não se dar pela presença ou não do estado mas de diferenças culturais, físicas e mentais entre os povos, visto que os com estado são todos europeus e os sem ,em sua maioria, não eram. Alegar isso sem mostrar empiricamente como esses povos de fato eram mais violentos que os europeus com estado por causa das características físicas ou mentais e isolando a variável estado não serve de argumento, no máximo é um questionamento que em si não desvalida a tese de Pinker. O problema é que tal argumento além de racista não faz o menor sentido e jamais poderia ser usado por alguém que supostamente leu o livro.


Pinker mostrou vários exemplos de como a presença do estado pacificou regiões em vários lugares do globo, com culturas diferentes em tempos diferentes, características físicas e mentais supostamente diferentes e o resultado foi sempre o mesmo. Seja a Pax Romana, Islamica, Mongolica, Otomana, Boxímanes, Sinica, Britanica, Australiana (na Nova Guiné), Canadiana (no noroeste do Pacífico) e Pretoriana (África do Sul). Ele até mostra um relato dos ayuana que após a centralização do estado na Pax Australiana, podem comer e urinar tranquilos sem medo de serem mortos. O mais engraçado é que Hoppe trata esse simples questionamento sem base alguma e já refutado no próprio livro como prova absoluta a ponto de usar o termo rechaçado ao se referir a Pinker.

Se não ficou convencido ainda que o que tornava as sociedades mais violentas é a ausência de estado e não diferenças físicas e mentais entre os povos, Pinker mostrou que a violência no sul dos EUA historicamente sempre foi maior que no Norte justamente por não ter um estado ou serem praticamente sem estado. Mesmo povo, anglo saxões, mesma época e mesma cultura, a única variável diferente é a presença ou não do estado. Ainda nesse ponto tenho outra crítica sobre quando Hoppe fala que a diferença de violência entre as sociedades europeias com estado e as sem estado mas não europeias (ou quando são europeias não eram cristãs) pode ser cultural e não devido a presença ou não do estado. Será que em nenhum momento passou pela cabeça dele que uma cultura violenta pode justamente ter assim se desenvolvido pela ausência de estado? Exatamente como Pinker mostrou que era na Idade Média? Nesse momento do texto Hoppe parece perdido sem saber mais o que criticar.


Por um breve momento do texto, Hoppe tenta se apegar a exceções para tentar desvalidar a regra, mas rapidamente ele percebe o quão isso seria ridículo e desiste. Apenas menciona que algumas sociedades sem estado tinham os mesmos níveis de mortes em conflitos em porcentagem da população e taxa por 100 mil habitantes de sociedades com estado. A verdade é que de 21 sociedades sem estado analisadas por Steven Pinker e 9 com estado (em vários momentos contando o mundo inteiro) apenas 7 são iguais ou com taxas inferiores ao da sociedade com estado mais violenta de todas no quesito taxa por 100 mil habitantes. Ainda nesse quesito apenas 4 são comparáveis ao segundo estado mais violento de todos e apenas 2 tem níveis realmente muito baixas. Só que tem um detalhe, todas essas comparações estão sendo feitas com os estados mais genocidas e que tiveram grandes participações nas guerras que mais mataram na história dos estados. O segundo citado, por exemplo, é nada mais nada menos que a Alemanha nazista. Ainda nessa lista temos a Rússia do século XX e a França de Napoleão, outros estados extremamente violentos. No quesito porcentagem da população morta em conflitos o erro de Hoppe se repete, no máximo sete entre 42 analisados se comparam aos estados mais genocidas da história. Ou seja o fato de algumas sociedades sem estado serem comparáveis aos estados mais conflituosos de todos os tempos não significa que eram pacíficos, longe disso. Assim se Hoppe acha que o fato de  algumas sociedades sem estado serem comparáveis aos piores estados serve de argumento para alguma coisa ele está redondamente enganado. Caso queira conferir, o gráfico é esse:





Fora que ,como veremos mais a frente, achar que uma sociedade é mais violenta que outra se baseando apenas em mortes em batalha é ridículo. Existem várias outras formas de violência na sociedade como o próprio homicídio interno das sociedades, e isso Hoppe não fala mas Pinker sim e prova que com estado é bem menos violento. tanto em vários exemplos ao longo do texto quanto nesse gráfico:





Por fim temos a única parte do texto que Hoppe realmente ataca um argumento de Pinker, que é quando ele diz isso:


“Com a primeira “evidência” global empírica de Pinker rechaçada, e quanto a segunda, a regional? Nesta, todos os dados vêm da Europa, logo evitamos o perigo de comparar incompatíveis. Pinker dedica umas dez páginas (pp. 228-238) a este ponto, e a informação central é condensada em um único parágrafo (p. 230) descrevendo a “taxa de mortalidade em conflitos na grande Europa, 1400-2000”. Entretendo, se este gráfico demonstra alguma coisa, é o oposto a tese de progresso de Pinker. O que ele mostra é que o período de maior duração de paz (relativa) e baixos índices de violência foram os 200 anos de 1400 até o fim do século XVI. Porém este período calha precisamente com o período mais longo da Idade Média europeia (e marca o seu fim), e a Idade Média, conforme expliquei anteriormente, é um exemplo excelente de uma ordem social sem estado. (Curiosamente, Pinker concorda com esta análise da Europa medieval sendo sem estado, mas ele não consegue enxergar que esta análise implica, de acordo com seus próprios dados, em uma refutação empírica de sua própria tese.)”

O gráfico a qual Hoppe se refere é esse:




A primeira coisa que o amigo leitor vai notar e que Hoppe não notou é que esse gráfico não fala de um momento de paz, mas sim de mortes em conflitos. Especular que porque morrem menos gente em conflitos significa um tempo mais pacífico mostra o quão limitada a visão de Hoppe é. Para deixar isso claro vamos fazer uma exercício mental. Imagine três regiões, o país A, B e C. O país A entra em guerra uma vez a cada 20 anos, quando entra em guerra fica uma semana em guerra e tem baixas taxas de homicídio interno (1/100 mil) mas nas guerras que participa morrem 1 milhão de pessoas. O país B no entanto vive em guerra com o país C, uma vez ao ano acontece um conflito entre os dois, esses conflitos duram 3 meses e além disso ele tem taxas de homicídio interno na casa dos 50/100 mil, mas nos conflitos entre eles morrem 10 mil pessoas. A pergunta é, quem é mais violento A ou B?


Se você respondeu A só porque morrem mais em guerra eu te convido a analisar melhor. Preste atenção, vamos pegar um período de 20 anos. A população do país A vai ter estado de fato em guerra, com a vida das pessoas altamente ameaçada durante apenas 7 dias no período de 20 anos. No resto do período a chance dela ser assassinada é quase nula. Tendo isso em mente vamos imaginar o país B agora. Além da alta probabilidade dela morrer pela violência interna, pelo menos durante 90 dias todos os anos as chances dela ser assassinada por causa da guerra aumentam ainda mais. Ao final dos 20 anos durante pelo menos 1800 dias sua vida estará altamente ameaçada fora a ameaça cotidiana de sua região. A diferença entre os dois é que uma vez em guerra as pessoas do país A estarão com risco de vida extremamente mais ameaçado que as pessoas do país B, mas isso na prática é irrelevante porque são 7 dias em 20 anos, durante outros 7293 dias ela terá a chance de morrer muito menor que as pessoas do país B. É evidente que o país A é menos violento. Uma vez entendido isso podemos sair do campo hipotético e trazer a analogia para a realidade, pois Pinker provou que as guerras estão durando menos tempo, sendo mais raras e as taxas de homicídio interno reduzindo. Ou seja o mundo está saindo de uma condição semelhante ao país B e passando para o A.


Como Pinker mostrou nesse gráfico o número de guerras era maior na Idade Média e vem reduzindo desde então:




Pinker mostrou também que as guerras estão durando menos também:


Além de claro ter mostrado que as taxas de homicídio interno vem caindo:




Ou seja apesar das guerras matarem mais quando ocorrem a chance delas ocorrerem são menores e quando ocorrerem durará menos tempo, e isso é sim um avanço. Mas não pense você que o passado está livre de grandes massacres semelhantes aos da Segunda Guerra Mundial. Por exemplo as conquistas mongóis (1187-1206), mataram algo em torno de 40 milhões de pessoas. Ainda sim não superou os incríveis 50 milhões da Segunda Guerra Mundial, mas já superou por exemplo a Primeira e com folga. Vale lembrar também que devido a população da época dos mongóis ser menor do que a população da época da Segunda Guerra, esses 40 milhões mortos pelos mongóis representam mais na população do que os 50 milhões mortos na segunda guerra representaram na população da época. Fazendo a conversão proporcional descobrimos que para termos uma guerra no século XX com mortos similares ao dos mongóis deveríamos ter uma guerra que matasse 278 milhões de pessoas. Não só os mongóis mas a Revolta Na Lushan (756-763) que matou 36 milhões de pessoas e proporcionalmente deveriam matar 429 milhões caso ocorresse no século XX, a queda de Roma matou 8 milhões de pessoas e proporcionalmente deveria matar 105 milhões no século XX entre vários outro exemplos.


Ou seja além de serem mais raras e durarem menos tempo as guerras matam proporcionalmente (e em muitos casos em números absolutos também) bem menos que no passado. Se isso não é um indicativo de redução da violência eu não sei o que é.

Ao contrário do que Hoppe tenta passar ao longo do texto, Pinker não disse que basta ter estado e todos problemas estarão resolvidos, longe disso. Ao contrário de Hoppe ,que mal sabe diferenciar monarquia e democracia, Pinker entende que existem várias formas de estado e mostra que democracias liberais atendem a todos requisitos para promover uma paz. Em uma democracia os processos legais para iniciar uma agressão contra outro estado são complexos e tem que passar por uma série de processos burocráticos, além de serem relativamente parecidos em todas democracias, o que inibe um dos fatores de agressão que é a retaliação, ou seja atacar com medo de ser atacado. Além de inibir também o fator da predação, ambos descritos na armadilha hobbesiana da violência descrita por Pinker.


O governo democrático é concebido para resolver conflitos entre os cidadãos pelos ditames consensuais da lei; assim, as democracias devem externar essa ética quando lidam com outros Estados. Além disso, uma democracia conhece o modo como funciona cada uma das outras democracias, pois são todas construídas sobre as mesmas bases racionais, em vez de nascidas de um culto da personalidade, de um credo messiânico ou de uma missão chauvinista. A resultante confiança entre as democracias deveria cortar pela raiz o ciclo hobbesiano no qual o medo de um ataque preventivo tenta cada um dos lados a desferir um ataque preventivo. Finalmente, como os líderes democráticos precisam dar satisfação a seu povo, é menos provável que iniciem guerras estúpidas que lhes tragam glória à custa do sangue e do tesouro de seus cidadãos.”


Além do mais uma democracia promove um mercado de forma melhor que qualquer outro sistema já implantado, o que diminui ainda mais os estímulos para a violência.

Ainda sobre o gráfico criticado por Hoppe, os picos de mortos em conflitos foram em momentos que tivemos vários estados autoritários envolvidos, sejam eles baseados em religião (nas guerras religiosas) , as guerras napoleônicas e as duas guerras mundiais. Ou seja o oposto do ideal para prevenir guerras que é um estado democrático e liberal. Pinker ainda cita outros fatores que levaram a esses picos de violência, como as ideologias utópicas, que potencializam as mortes durante a guerra por idealizarem que vão chegar ao mundo perfeito e isso eleva a quantidade de sacrifícios que se pode fazer ao infinito. Hoppe tenta atacar essa explicação dando a sua própria interpretação para os fatos, vejamos o que ele tem a dizer.


Hoppe diz que o primeiro pico de mortos não estaria ligado a guerras religiosas mas sim guerras para a formação de estados. Isso não poderia estar mais errado. Vários lugares na Europa já tinham estado antes mesmo dessa era, como a Inglaterra, Castela, França e as várias micro regiões italianas por exemplo. A verdade é que dizer que a Idade Média era uma anarquia, como Hoppe faz, é um erro absurdo. Basta saber a divisão da alta e baixa idade média e tal afirmação é refutada. A alta idade média de fato era uma semi anarquia, o que nos leva ao ponto que Pinker também diz que as sociedades da Idade Média eram sociedades sem estado mas sempre como uma hipérbole, algo como “sociedades praticamente sem estado” , tanto que em dado momento ele compara sociedades europeias dos anos 1300 com sociedades que ele julga ser sem estado como os Inuítes. Mas é inegável que na alta idade média os reis tinham poder bem menor sobre o território e em vários lugares ele de fato não chegava, ou seja dizer que era uma sociedade na prática sem estado não é um erro (repare que mesmo sabendo disso não muda o fato que a Idade Média não era uma anarquia). A alta Idade Média iniciada no século XI no entanto já tinha estados relativamente bem formados que se consolidariam ainda mais no fim da Idade Média. Ou seja o primeiro argumento hoppeano que as guerras que Pinker diz que foram religiosas na verdade foram para formar estados está refutado.


A tentativa dele de separar a religião das guerras religiosas também é pífia. O estado francês já existia, não sendo uma monarquia absolutista, mas com organização o suficiente para ordenar massacres contra certos grupos a mando dos reis como a noite de São Bartolomeu. Assim, reis católicos por motivos de divergências de religiões mandaram matar protestantes por serem protestantes, o que gerou 8 conflitos internos na França. Na Inglaterra o contrário ocorria, católicos eram perseguidos por serem católicos pelo governo inglês que era protestante. Se isso não se caracteriza como uma guerra religiosa eu não sei o que se caracteriza.


Depois, Hoppe tenta associar a ascensão de Napoleão e todo estrago que ele fez com a democracia. Ele só esqueceu que apesar de Napoleão chegar ao poder por causa da revolução francesa e essa se baseou em preceitos iluministas que mais tarde ajudariam a fundamentar as democracias, não significa que Napoleão era democrático. Na verdade o imperador francês passava longe disso. Como o próprio Pinker bem descreveu apesar de Napoleão fazer algumas medidas iluministas ,como implementação dos códigos de direito civil, no geral ele era um governo bem autoritário e fez coisas como assumir o poder a partir de um golpe de estado, eliminar o governo constitucional, reinstituir a escravidão e restaurou o catolicismo como a religião oficial do estado. O erro se repete quando Hoppe tenta associar as mortes da segunda guerra mundial a democracia, sendo que ela foi causada por uma ascensão de governos autoritários como a Alemanha nazista e a Itália fascista. Em ambos absolutamente nada a ver com as democracias liberais e com os itens que Pinker descreveu que geram a paz.


HHH então ataca outro espantalho nesse trecho:


Ainda tentando salvar sua tese de progresso, Pinker então apresenta dois argumentos auxiliares. Primeiro, ele afirma que o caráter mais letal das (menos frequentes) guerras modernas não tem nada a ver com os estados per se ou as expansões e consolidações territoriais dos estados, mas ao invés disso são resultado praticamente casuais de avanços na tecnologia militar (uma tese que ele rejeita em outro momento, quando ele diz que o desenvolvimento de tecnologia é essencialmente ‘neutro’ para o nível de violência).”


Explica-se: Pinker disse que o fato das guerras estarem matando mais do que no passado é devido a melhora das tecnologias de guerra, mas que as guerras ENTRE ESTADOS não parece sofrer influência da presença de altas tecnologias ou não. Ele diz isso para rebater o argumento que o número de guerras estaria diminuindo por causa do efeito dissuasor das bombas atômicas, o que já foi explicado anteriormente. Ninguém duvida que se houver uma guerra nuclear vai morrer mais gente do que se tiver uma guerra entre exércitos com espadas, e de fato provavelmente morrerá mesmo. Mas ter tecnologias como espadas ou bombas atômicas não parece ter efeito sobre dissuadir guerras entre estados.


Na sequência Hoppe diz que a argumentação de Pinker que o número cada vez menor de estados levou a menos guerras entre estados e guerras civis na verdade seria truque de contabilidade e não um ganho civilizatório real. Se o argumento de Pinker se limitasse a guerras entre estados ,e somente isso, de fato poderíamos falar em apenas manipulação estatística. O problema é que não é, e ainda tem a parte das guerras civis. Não há razão nenhuma para acreditar porque com menos estados no mundo automaticamente haveriam menos guerras civis. Essas normalmente ocorrem por divergências políticas aliadas a uma série de fatores citadas por Steven Pinker. O fato de ter um estado mundial não mudaria o fato que poderiam se formar grupos separatistas, grupos armados tentando tomar o poder ou ainda guerra entre as microrregiões. Ou seja se houve redução de estados e redução de guerras civis podemos sim falar em um avanço.


Ainda seguindo essa linha de questionamento, Hoppe solta a pior parte desse texto espantalhoso, quando diz isso:


“Essencialmente, de acordo com Pinker, com cada centralização política e em última instância com o estabelecimento de um estado mundial a probabilidade de guerras declina e em última instância desaparece junto com o declínio e desaparecimento paralelo da guerra civil. Em resumo: o estado civiliza e um estado mundial civiliza melhor. Ou o inverso: cada secessão de-civiliza e liberdade total de secessão de-civiliza totalmente.”


Essa parte foi tão ruim e tão espantalhosa que me faz pensar que, ou Hoppe realmente não leu o livro ou está sendo extremamente desonesto. Pinker jamais defendeu um estado mundial. Na verdade ele disse exatamente o contrário! Veja por si mesmo o trecho que Pinker fala sobre um possível estado mundial:


“Hoje a campanha pelo governo mundial persiste principalmente entre excêntricos e fãs de ficção científica. Um problema é que um governo, para funcionar, depende de um grau de confiança mútua e de valores comuns entre os governados, coisa que não é provável existir no planeta inteiro. Outro é que um governo mundial não teria alternativas com as quais pudesse aprender a governar melhor, ou para as quais os cidadãos descontentes pudessem emigrar; portanto, não teria freios naturais contra a estagnação e a arrogância. E não é provável que as Nações Unidas se transformem em um governo pelo qual alguém queira ser governado. O Conselho de Segurança é tolhido pelo poder de veto que as grandes potências exigem ter antes de ceder-lhe qualquer autoridade, e a Assembleia Geral é mais um palanque para déspotas do que um parlamento dos povos do mundo. Em “Paz perpétua”, Kant imaginou uma “federação de Estados livres” que não chegaria nem perto de ser um Leviatã internacional. Ela seria um clube gradualmente crescente de repúblicas liberais, e não um mega governo global, e teria por base o poder brando da legitimidade moral em vez do monopólio do uso da força. O equivalente moderno é a organização intergovernamental, ou oig — uma burocracia com um poder limitado para coordenar as políticas dos países participantes em alguma área na qual eles têm um interesse comum”


Pinker diz também que acredita que uma instituição que melhor vai regular as relações entre os estados afim de evitar guerras não seria um estado mundial mas sim organizações mundiais de comércio que visam facilitar o comércio mundial. E ele não faz isso baseado em achismo e distorções da realidade ,como Hoppe faz, ele mostra dados objetivos que de fato comprovam que quanto mais os países participam de organizações mundiais de comércio menos eles se inclinam a guerras.


Após esse espantalho terrível, Hoppe prossegue seu show de horror e comenta que a “praxeologia” tem uma interpretação diferente (implicando que a praxeologia tem qualquer valor e não é apenas um grande besteirol que depende daquilo que mais critica pra funcionar). A interpretação praxeológica ,segundo ele, é que a existência de estados aumenta a probabilidade de guerras porque os custos dessa são parcialmente exteriorizados para terceiros. Além de não ter nenhuma evidência de tal afirmação, tal como toda dedução praxeológica, os dados já mostrados anteriormente mostram que a quantidade de guerras vem diminuindo, e isso após a formação de estados e a melhor consolidação de alguns já existentes. Durante muito tempo procurei uma prova cabal, além da oferta e demanda descoberta empiricamente, de como a praxeologia não funciona e dependemos de dados empríricos para fazer melhores análises da realidade e assim poder esfrega-la na cara dos praxeologistas. Quem diria que a tal prova viria do próprio Hoppe, rsrs.  


Após insistir no espantalho do estado mundial já refutado, Hoppe diz que se as sociedades caçadoras coletoras tivessem se tornado um estado por livre e espontânea vontade, o que teríamos hoje seriam associações voluntárias e como não temos isso o estado para existir implica violência. Isso, para ele, é uma contradição com os argumentos de Pinker uma vez que esse é a favor da redução da violência e acha ideal uma sociedade sem ela. Para quem está acostumado com o besteirol ancap logo percebe os erros da afirmação do guru ancap. Resumindo, a questão se trata de definir violência como qualquer coisa que ele não goste baseada em uma ética que não se sustenta, cheia de non sequitur e que justifica bizarrices como os pais deixarem o filhos morrerem de fome e tortura de animais. Hoppe considera o imposto e o estado uma forma de violência por serem coercitivos, mas não aplica o mesmo raciocínio por exemplo a propriedade privada. Não sou de forma alguma contra essa, mas não dá pra negar que ela é coercitiva. Coerção basicamente é obrigar alguma pessoa a fazer o que não quer. A verdade é que qualquer lei só vai se fazer valer se for coercitiva, isso vale inclusive para a propriedade privada. Ou seja pela lógica dele, os ancaps sendo contra coerção e defendendo propriedade privada também deveria ser uma contradição. A questão é até que ponto é válido coagir alguém para respeitar uma lei? Baseado em que? Isso a ética hoppeana não responde, e falha em uma série de outros quesitos.


O trecho seguinte a esse merece um destaque:


 “Logo, de acordo com Pinker, a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, com todas as suas atrocidades, essencialmente não teve nada a ver com a instituição de estados mas foi um acaso histórico, causado pelas más ações de um único indivíduo desequilibrado, Adolf Hitler."


Novamente ou Hoppe não leu Pinker ou está sendo desonesto. Pinker deixa claro as mazelas que um governo autoritário pode causar e a atribui a culpa a essa forma de estado, que se guia por uma das forças anti iluministas, que é nacionalismo. De fato em dado momento do texto Pinker concorda que só um indivíduo queria a guerra e era Hitler, mas isso teve um contexto totalmente diferente da explicação das guerras.

 

Quando Pinker concorda com essa citação ele está falando da probabilidade de ocorrer uma guerra. Uma série de eventos precisa dar certo em sequência para que grandes guerras ocorram, por isso elas seriam tão raras. Mesmo com todas as tensões antes da segunda guerra mundial sem um estopim ela poderia tomar vários rumos diferentes. Não que ela não iria ocorrer, mas poderia ter matado menos, durado menos ou até mais, ninguém sabe. Em nenhum momento Pinker tira a responsabilidade dos Estados pela guerra, apenas mostra um dos fatores que tornam grandes guerras entre estados raras.

Como fica claro, é importante entender um texto inteiro antes de fazer alguma crítica. Hoppe jamais poderia fazer tal afirmação sem estar sendo desonesto, pois mais a frente Pinker cita que o nacionalismo e facismo são um dos fatores que levam a grandes guerras, citando eles como pensamento anti iluminista. Ou seja a conclusão correta ao juntar as duas partes é que um dos fatores que causam as grandes guerras é  o pensamento anti iluminista aliado a pessoas desequilibradas e aliado ainda a eles terem a possibilidade de assumir o cargo máximo de um estado, pois ,como ele mostrou, Hitler poderia ter morrido em um acidente de carro que teve, morrido com o tiro na cervejaria e jamais poderia ter feito o holocausto. Mais um espantalho horroroso e desonesto de Hoppe. 


Hoppe então argumenta que em uma sociedade sem estado pessoas como Hitler, Stálin ou Churchill não seriam capazes de causar um grande estrago como o da segunda guerra mundial. Isso além de certa ingenuidade revela mais uma vez porque é importante entender um texto por completo antes de critica-lo. Se Hoppe tivesse prestado atenção no texto, saberia que de fato um Hitler na Idade Média talvez não causasse muito estrago nível segunda guerra mundial, no máximo várias incursões como a Cruzada Algebiense que matou 20 mil pessoas ou o Massacre dos anabatistas que matou 100 mil, mas 50 milhões talvez fosse difícil. Mas lembremos que apesar de difícil não seria impossível, não esqueçamos que os mongóis mataram quase isso. Mas o fato de Hitler provavelmente não conseguir causar o mesmo estrago na Idade Média não se deve a ter mais estado ou menos estado mas sim a tecnologia disponível para matar. Coloque o mesmo Hitler e mais uma série de líderes medievais com metralhadoras, canhões de guerra e bombas atômicas em um ambiente com média de dois conflitos por ano e em algum momento a guerra iria andar para um real genocídio como nunca antes visto.

 

Conclusão: A tentativa de Hoppe de refutar Steven Pinker revela-se um fracasso total. A única coisa que fica clara é que Hoppe sabe espantalhar argumentos como ninguém, tem modus operandi semelhante a de movimentos anti ciência, como terraplanistas, e talvez nem tenha lido o livro e se leu é muito desonesto. No mais as evidências que vivemos na era mais pacífica de toda história da humanidade continua de pé, gostem os libertários ou não. 

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